O traço inovador de Eifas Andreato
Com quase 50 anos de carreira, o cenógrafo e artista plástico ainda
é reconhecido pelo fantástico trabalho que faz desde os anos 1960

Por Pablo Ribera

Elifas Andreato é sinônimo de arte e sucesso. Em quase 50 anos de carreira, criou cenários e diversas ilustrações para o teatro, a música e o cinema brasileiros. Revolucionou com seus traços diferentes e inovadores, além de trazer um conceito novo para a cultura do País, o que faz com que ele seja reconhecido no mundo todo, como cenógrafo em alguma grande peça, ou como ilustrador de um disco de MPB e até como protestante contra a ditadura militar.
Nascido em Rolândia, no interior do Paraná, em 1946, Elifas teve uma infância pobre e, por causa de sua condição de miséria, foi analfabeto até a adolescência. Teve, porém, a oportunidade de mostrar seu dom: a arte. Elifas é o que se pode dizer um autodidata. Iniciou sua carreira aos 14 anos de idade, sem ter nenhum curso de desenho ou pintura.
“Comecei a desenhar quando ainda era aprendiz de torneiro mecânico, em uma fábrica em São Paulo. Meu trabalho era pintar paineis para decorar o refeitório que, aos sábados, promovia bailes, cuja renda era destinada a um caixa que a assistente social administrava para ajudar os operários mais necessitados”, explicou o artista plástico. “Eu não tinha a menor ideia de técnicas ou recursos para fazer meus quadros. Fazia com tinta a óleo de parede sobre papel”, revela Elifas, que, para encontrar a inspiração que lhe faltava, procurou trabalhos artísticos nas mais diferentes publicações. “A principal referência que me influenciou e animou para que eu continuasse foi uma reportagem na revista o Cruzeiro sobre os ‘Meninos de Brodowski’, de Cândido Portinari”.
Após desenvolver com sucesso seu primeiro trabalho, Elifas conseguiu estágio na editora Abril, onde, garante, conviveu com jornalistas que se tornaram seus grandes mestres. Foi lá, também, que ele aprendeu ainda mais e começou a tornar-se referência no meio intelectual e artístico do Brasil, além de professor de Artes na USP (Universidade de São Paulo). Elifas acredita que todos seus trabalhos são significativos, em todas as áreas nas quais produziu, mas dá grande crédito ao teatro pelo seu sucesso. “Meu primeiro prêmio como cenógrafo veio com ‘Muro de Arrimo’, de Carlos Queiroz Teles, em 1975, com Antonio Fagundes atuando e sob direção de Antonio Abujamra. Depois disso fiz uma enorme quantidade de cartazes e cenários. Portanto, o teatro, em certo período, foi meu principal espaço de atuação profissional”.
Elifas leva em sua bagagem produções como programador visual para peças teatrais como Ricardo III, de Shakespeare; Mortos Sem Sepultura, de Jean Paul Sartre; Ponto de Partida, de Gianfrancesco Guarnieri; Murro em Ponta de Faca, de Augusto Boal; Muro de Arrimo, de Carlos Queiroz Telles; Navalha na Carne, de Plínio Marcos; Escola de Mulheres, de Molière; além de desenhos feitos para capas de discos de vinil e cartazes para cinema. Para Elifas, todas as suas obras são, de alguma forma, valiosas. “Todos os meus trabalhos são importantes. Alguns mais, outros menos. Eu destacaria a capa que fiz para o LP ‘Nervos de aço’, de Paulinho da Viola, em 1973. E o ‘25 de outubro’, em que mostro o jornalista Vladimir Herzog morto numa câmara de tortura”.
Elifas explica que, para criar seus trabalhos da forma que lhe agrade, precisa, primeiro, estudá-lo. “Sempre digo que é muito difícil resumir em uma única imagem obras mais importantes que a minha. Por isso, procuro conhecer a fundo o conteúdo que me cabe ilustrar. O processo de criação é sempre muito sofrido, mas todos nós sabemos que toda e qualquer arte nasce da dor”.

Protesto contra
a ditadura
Perseguido pela ditadura militar vigente no auge de sua carreira, Elifas utilizou seu traço poético com profundo sentido social, que definiu seus trabalhos como ícones de uma geração que protestava por meio da arte. Por volta de 1969, criou, junto com o jornalista Carlos Azevedo, o “Livro Negro da Ditadura Militar”. Ali, o cenógrafo criou a famosa caveira com o quepe militar. Em seguida, um dos companheiros de Elifas foi preso pelos militares e confessou, sob tortura, quem eram os autores do livro. A partir daí, ele, Azevedo e outro jornalista, Raimundo Pereira, passaram a ser perseguidos pelo regime.
Segundo o artista plástico, a intenção dos militares era pegá-los juntos, em flagrante, para provar que os três realizavam trabalhos contra a ditadura. Felizmente, nunca foram surpreendidos lado a lado. Porém, muitos de seus trabalhos, a maioria do “Jornal Opinião”, foram censurados.
“O pior período foi durante minha atuação como diretor de arte do ‘Opinião’, depois com o jornal ‘Movimento’, ambos de oposição ao regime militar”, explicou Elifas. “Era comum termos dentro das redações censores ignorantes e muitas vezes nos confrontávamos. Isso implicou em torturas, mal-tratos e perseguições”, relembra Elifas, que sofreu maus-tratos por conta de suas produções artísticas no “Opinião, sendo que chegou a ser preso, após retratar um estudante morto pelos militares, o que piorou ainda mais a sua situação.
De acordo com Elifas, o interrogatório era extremamente violento e repleto de insultos. Ele ficou preso por mais de três horas, mas seguiu em frente, sem desistir de seus sonhos e ideais. Atualmente, Elifas trabalha na revista Almanaque Brasil de Cultura Popular, publicação mensal que circula a bordo dos voos da companhia áerea TAM. Com tiragem de cem mil exemplares a cada edição e um público leitor estimado em 300 mil pessoas, a revista divulga aspectos da cultura e da história do Brasil.
Segundo Elifas, mesmo com tanto trabalho a ser feito, há espaço para novos projetos. “O Almanaque Brasil dá muito trabalho. Exige muito. Mais o que não falta por aqui são novos e antigos projetos. Neste momento, cuidamos do Almanaque na TV Brasil e da TV Cultura e do lançamento da compilação que fizemos dos dez anos do Almanaque com a Ediouro”, diz ele, que, mesmo com a evolução da tecnologia e a mudança da visão do mundo, continua no ramo, mas de forma um pouco diferente. “O mundo mudou muito. As novas mídias são grandes veículos para divulgação de tudo. E custa muito menos, não há mais espaço para os grandes cartazes. Hoje fazemos pequenos cartazes e os distribuímos pela Internet”.
Para conhecer ainda mais o trabalho de Elifas Andreato, acesse www.estudioelifasandreato.com.br. Mais informações: www.almanaquebrasil.com.br.

Tônia Carrero, Musa de Ipanema dos anos 1940, cuja história se confunde com o teatro brasileiro, é homenageada pelo Prêmio APTR

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