Personagens Ocultos

Por Paloma Jacobina

As notas tristes que se ouviam por detrás da cortina já descerrada do palco principal do Teatro Amazonas soavam mais intrigantes que pavorosas para o então assistente de iluminação da casa. “Eu tinha certeza de que não havia mais ninguém no local e por isso mesmo fiquei atento quando ouvi o piano sendo tocado. Não fiquei com medo. Fiquei curioso”, relembra Luciano Nonato.

Já fazia mais de cinco anos que Luciano trabalhava pelos corredores do imponente teatro manauara quando o episódio aconteceu. Até então, jura ele, nunca tinha presenciado nada do gênero. “O mais próximo que cheguei dos famosos fantasmas que apavoram os freqüentadores daqui, até aquele dia, foi através dos causos (sic) que ouvia de um e outro colega de trabalho”, lembra. “Uma vez, um conhecido meu se deparou com uma moça toda de branco circulando pelos bastidores sem que ninguém soubesse de onde ela veio. Quando foram atrás dela, ela desapareceu”, detalha.

As muitas histórias a respeito de figurinos que se mexiam sozinhos e portas que fechavam e abriam sem ninguém por perto engrossam, há muitos anos, a lista de horror do teatro local. Mas o cético funcionário não acreditava que tinha chegado a sua vez de vivenciar uma história de terror. Certo de que se tratava de algum colega de trabalho engraçadinho que conseguira se esconder para assustá-lo, Luciano abriu as cortinas seguro de que o pegaria desprevenido. No entanto, se surpreendeu ao avistar o piano vazio, coberto pela espessa manta que o protegia da poeira.


“Aquela cena me apavorou”, admite. “As pessoas sempre falavam, mas eu não acreditava. Dizia que era arte de gente brincalhona que usa dos medos dos outros para alimentar esse tipo de lenda”, relembra. “Mas, no momento em que vi que não havia ninguém no local, bateu um pânico enorme. Algo que eu nunca havia sentido”, revela.

A primeira vez que Nonato notou a presença de algo sobrenatural no local marcou o início de uma série de estranhezas. Dias depois, ele estava fazendo a ronda, quando percebeu alguém passando para a sala da administração, já com o teatro fechado. “Corri atrás da moça de branco pedindo que ela parasse e dizendo que ela não poderia ficar ali. Um segundo depois, ela sumiu atrás de uma pilastra”.
As histórias e aparições misteriosas continuaram, como as ocorridas durante as apresentações do cantor Edson Cordeiro, que teve casa lotada todos os dias. “Com exceção da poltrona de número 13, que, apesar de vendida, ficou desocupada em todas as apresentações”. Segundo Luciano, aquela sequência de fatos derrubava por terra todas as suas certezas.

Será que realmente existiam fantasmas perambulando pelos corredores daquele antigo teatro? Seria mesmo a alma da garota que morrera incendiada naquele mesmo terreno, antes da construção do teatro, que circulava pelos corredores apavorando a todos? Ou seriam aquelas imaginações construídas pela cabeça cansada do aposentado?

O certo é que as histórias de terror muitas vezes contadas nos palcos do mundo afora viraram realidade no Teatro Amazonas. Naquele palco onde sentimentos profundos são usados para mexer com a emoção de não apenas um, mas de toda uma plateia – onde amor e ódio são vividos aos extremos – que podem perambular os espíritos perturbados ainda presos a este mundo. E por que não em busca de refúgio, ou simplesmente atraídos pelas energias que envolvem o lugar?

Para contar essas histórias de terror em que a vida parece imitar a arte, o Jornal de Teatro pegou o crucifixo e resolveu investigar mais a fundo quem são essas estrelas obscuras dos teatros. Se prepare para uma viagem de norte a sul do Brasil que vai fazer sorrir, chorar e se apavorar.

Foi mais ou menos assim a experiência vivida pelo ator e cantor brasiliense Saulo Vasconcelos. Apesar de insistir que não acredita no sobrenatural, ele também tem histórias de fantasmas para contar. Uma delas aconteceu durante apresentação realizada no Teatro Abril, em São Paulo, quando um terceiro integrante (inexistente) foi registrado em cena pelos monitores da equipe da coxia.

No entanto, o contato mais sério que ele afirma ter vivido com os fantasmas do teatro aconteceu, curiosamente, durante a apresentação do musical “O Fantasma da Ópera”, em que ele vivia o personagem principal, um suposto fantasma que assustava os freqüentadores do teatro.

“Estávamos fazendo uma apresentação no Centro Cultural Tel Elmex, no México, em 1999, quando o violoncelista desafinou a tal ponto que toda a orquestra notou. Quando perguntaram a ele o que estava acontecendo, ele disse que tinha visto uma criança cair no fosso que separa a orquestra da plateia”, relembra. “O problema é que, quando a produção foi olhar o local para regatar a criança, ela não estava lá. Não havia ninguém, tampouco vestígios de que alguém caiu no fosso”.

Cético, Saulo afirma que tudo não passa de uma criação da mente humana, apesar de alguns moradores da região afirmarem que sempre avistam os fantasmas das vítimas do terremoto que destruiu o antigo prédio do local, em 1985. “Cada um tem uma razão para acreditar e ver o que bem quiser. Acho que histórias de esoterismo, fantasmas e outras questões que fogem à ciência e à razão têm poucas chances de serem verdadeiras”, afirma.
O ator e diretor baiano Ângelo Flávio é outro que jura não acreditar em fantasmas, mesmo depois da estranha experiência que viveu ao encenar o espetáculo “A Casa dos Espectros”, no prédio da antiga Faculdade de Medicina da Bahia, no Centro Histórico de Salvador.

“Aquele prédio é assustador e todos sabem disso. Eu não ficava nele sozinho à noite sob hipótese alguma, mas eu não acreditava mesmo que poderiam existir fantasmas no local, até que um membro da produção do espetáculo jurou ter visto um homem velho e esfarrapado caminhando pelo jardim e desaparecendo diante dos olhos dela”, detalhou.
Segundo Flávio, o depoimento da garota foi tão verdadeiro que todos ficaram com medo. “E ela me pediu para se afastar do grupo por tempo indeterminado e continua se recusando a trabalhar naquele lugar novamente. Acredito que ela realmente viu algo, mesmo que tenha sido produzido pela própria mente”.

E como podem ser tão céticos diante de tantas afirmações? Será que realmente existiam fantasmas perambulando pelos corredores daquele antigo casarão? Seriam mesmo as almas das vítimas do terremoto responsáveis pelas aparições no México? Ou também seriam aquelas imaginações construídas pelas nossas mentes atormentadas? A decisão é sua. A história quem conta somos nós. Por via das dúvidas, tome cuidado ao andar sozinho por um velho teatro.

Pin It