Coreógrafo brasileiro retorna ao país após trajetória de sucesso na Europa



Por Jarbas Homem de Mello

Após um dia exaustivo de trabalho, o experiente e conceituado coreógrafo Alonso Barros recebeu o Jornal de Teatro na academia Pulsarte, em São Paulo, onde está ensaiando o espetáculo “Pernas pro ar”, nova produção de Cláudia Raia. Na entrevista, ele falou de sua trajetória artística, da vida na Europa (onde reside atualmente) e dos bons “acidentes” que a vida lhe proporcionou.

Jornal de Teatro – Você participou da montagem de “A Chorus Line”, de 1983, espetáculo que lançou artistas de grande destaque como Cláudia Raia, Raul Gazola e o saudoso Tales Pan Chacon.
Alonso Barros – Foi logo depois de eu me decidir pela arte, largando meu curso de arquitetura. Foi uma produção do Walter Clark, e foi onde tudo começou realmente. Nessa época eu iniciei minhas experiências como coreógrafo, montei uma versão do Pippin, que foi muito elogiada na época, e aí vieram outros musicais como interprete, até 1988, quando decidi sair do Brasil.

JT – Você saiu do Brasil poucos anos depois de ter iniciado uma promissora carreira. Foi a busca de novas oportunidades de trabalho que o levaram a Europa?
AB – Na verdade, o que me levou à Europa foi uma inquietação geral. Eu tinha vinte e poucos anos na época, achei que era o momento de ousar, rodar um pouco. Eu estava um pouco cansado de musicais e, na verdade, tinha o sonho de conhecer e trabalhar com a Pina Bausch – eu era e sou louco pelo trabalho dela. Na época, havia um amigo morando em Viena que estava participando de um show brasileiro. Estavam precisando de gente, achei que era a minha chance, mas, chegando lá, não tinha trabalho algum, pois o show havia sido transferido para o final do ano. Como eu só descobri isso quando cheguei, não havia nada para fazer. Na época, estava acontecendo um festival e fui fazer uma aula, um coreógrafo que estava começando um trabalho de dança contemporânea em Viena me viu e me convidou para trabalhar.

JT – Quer dizer que, apesar do susto, você chegou na Europa e começou sua carreira de performer imediatamente?
AB – Bom, depois desse trabalho em Viena, recebi o convite para trabalhar de modelo. Aí eu pensei: melhor que lavar pratos né? (risos). Eu fiquei modelando por um ano e meio mais ou menos e, um tempo depois, resolvi participar de uma competição internacional de novos coreógrafos, naquele mesmo festival de Viena. Ganhei o primeiro lugar, o que me deu uma visibilidade, e foi nessa época também que eu voltei para os musicais, e de uma maneira bem inusitada, um amigo meu foi chamado para fazer um conserto beneficente na Inglaterra para a Lady Di, fui ver um ensaio, a coreógrafa me conheceu, gostou de mim e me chamou para trabalhar. Voltei para os musicais como interprete em “Rock Horror Show”, e aí vieram uma sucessão de musicais como “Sweet Charity”, “La Cage aux folles” etc.

JT – E como se deu essa passagem do performer para Coreógrafo de Musicais?
AB – Depois que eu voltei a trabalhar nos musicais, comecei a lecionar no Performing Arts, em Viena, uma escola de musicais muito conceituada. Lá, eu coreografava muito para os shows, e isso começou a mostrar muito o meu trabalho, então veio a grande oportunidade de coreografar “Kiss me Kate”, uma super produção. Foi quando eu realmente entrei no mercado como coreógrafo, e, desde então, não parei mais. Com isso, fui diminuindo meus trabalhos como performer e me tornando realmente coreógrafo. Mantive minha base em Viena e comecei a trabalhar em vários países da Europa.

JT – E como surgiu o convite para voltar a coreografar no Brasil?
AB – Esse foi mais um feliz acidente na minha carreira. Eu estava no Brasil, visitando a família, e sabia que estavam montando o “Sweet Charity”. Fiquei interessado, mas eu já não tinha mais contato com a Cláudia Raia desde a época do “Chorus Line”, mas uma amiga minha, que trabalhava na CIE na época, me indicou. A Cláudia lembrou de mim e me recomendou na hora, me pediram um registro do meu trabalho e fecharam comigo, foi aí que conheci o Charles Moeller e o Cláudio Botelho, que agora me chamaram para a montagem de “O Despertar da Primavera”. Agora já emendei outro trabalho aqui, que é o “Pernas pro Ar”, um projeto da Cláudia Raia que começou pequeno, há mais de um ano, e que agora tomou proporções de mega produção. Estou muito feliz por dividir a criação desses espetáculos com profissionais renomados como a própria Cláudia, o Luiz Fernando Veríssimo, Cacá Carvalho e Marconi Araújo.

JT – Outra grande característica do seu trabalho, além da sensualidade, é o humor. Você sempre prioriza isso nas suas coreografias?
AB – Sempre trabalho com o humor. Mesmo em cenas dramáticas, penso que o humor às vezes pode potencializar o drama, e isso é do ser humano, busco isso na composição dos personagens, esse patético da existência. Aliás, a vida já é uma grande piada, você nasce vive e morre... É ridículo! E nós estamos aqui para aproveitar o banquete enquanto é tempo, e eu não uso isso no trabalho como um escapismo, mas sim como um tom crítico mesmo, e isso me ajuda dramaticamente para contar uma história.

JT – E qual sua relação com os “franchising” da Broadway?
AB – Essa é uma estrutura que eu já conheço e não me interessa. Preciso de espaço para a relação coreógrafo/diretor/ator. Preciso exercitar a criação, mesmo dentro de uma estrutura pré-estabelecida. Se não houver esse espaço eu não me encaixo. Se eu não estiver aberto ao novo, eu vou acabar me repetindo e não quero isso. Cada espetáculo é único, cada elenco é único, mesmo em uma remontagem.

JT – E quais os planos futuros?
AB – Um dia depois da estreia do “Pernas pro ar”, eu embarco para a Alemanha, para ensaios de uma remontagem minha de “Hair”. Só depois é que volto para minha casa, em Viena, devo voltar ao Brasil para a montagem de “Gipsy”, e novamente Viena para uma montagem de “Vitor ou Vitória”.

JT – E o sonho de conhecer a Pina Bausch, se realizou?
AB – Essa é uma história boa, quando eu estava ensaiando “Rock Horror Show” em Viena, ela abriu audições para um trabalho sobre a Áustria. Eu faltei ao ensaio do espetáculo para fazer o workshop, ao final da audição ela veio falar comigo e disse que tinha gostado muito de mim, mas meu perfil era muito latino para um espetáculo sobre a Áustria (risos) e não poderia me usar para esse trabalho, mas que as portas de sua cia estavam abertas para eu fazer aulas e tentar futuros trabalhos com ela. Eu não pude ir porque estava sob contrato, mas, de certa forma, o sonho se realizou. Foi um momento muito especial para mim, que eu guardo com muito carinho.
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